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  • Foto do escritorLarissa Maia

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Educação, Punição, Ressocialização e as perspectivas do jovem brasileiro em 2018.


Ilustração de duas crianças e a representação da porta da escola fechada e a do presídio aberta

“O jovem no Brasil nunca é levado a sério”, diz a letra da música de Charlie Brown e Negra Li. No Brasil, a composição escancara uma realidade dura: jovens sem oportunidades, com altas taxas de evasão escolar e de homicídio, além de dados assustadores sobre a criminalidade durante a juventude. De acordo com o Levantamento Nacional de Informações de Penitenciárias (Infopen), 55% dos presos tem de 18 a 29 anos (2016). 



O relato a seguir é sobre mais um brasileiro na estatística de homicídios de jovens. Mayrton Gomes tinha 19 anos quando, em uma fuga da polícia após um roubo. Levou um tiro nas costas dado pelo seu parceiro de crime e faleceu. Assim como a realidade de muitos outros jovens que adentram esse mundo da criminalidade, Mayrton havia interrompido os estudos. Tentou ingressar no EJA (Educação de Jovens e Adultos), mas viver às custas da mãe, que estava desempregada na época, era um pesadelo para o garoto.

Quando estava na sétima série ele resolveu que queria ganhar o próprio dinheiro e deu “tchau” a escola. Com 13 anos veio a primeira apreensão: furto. Depois foram mais algumas. Quando atingiu a maior idade, chegou também a primeira prisão: roubo. Ficou 45 dias preso na cidade de São João do Rio do Peixe, onde estava morando com seu pai, a mando de sua mãe para se afastar das amizades erradas. Socorro Gouveia, mãe do jovem, desabafa: “teria sido diferente se ele estivesse estudando. A maioria quando deixa os estudos é para o mundo do crime”. E foi. 


“Se a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela tampouco a sociedade muda” -

1,5 milhão de jovens de 15 a 17 anos estão fora da escola.


Os dados que refletem a evasão escolar, mesmo após anos de programas de incentivo dos governos na área, são alarmantes. De acordo com o anuário de educação, disponibilizado pelo Ministério de Educação (MEC, 2018), 24% dos jovens de 16 anos não concluem o ensino fundamental. Os números também assustam no que diz respeito ao ensino médio e superior. A taxa de evasão no ensino médio é de 11,2% do total de alunos matriculados. Apenas 58,5% dos jovens de 19 anos concluíram o ensino médio e apenas 18% dos jovens de 18 a 24 anos ingressam na universidade.

Com isso, outro dado grave diz respeito a inversão de investimentos do Brasil. De 1994 a 2009 o Brasil aumentou o número dos seus presídios em 200%. A ministra Carmen Lúcia em 2016 relatou que um preso custa 13 vezes mais que um estudante. “Um preso no Brasil custa R$ 2,4 mil por mês e um estudante do ensino médio custa R$ 2,2 mil por ano”, declarou a ministra e completou “Alguma coisa está errada na nossa Pátria amada”.

No entanto, esse foco em se construir presídios não é novidade. Na história do Brasil, quando colonizado, os portugueses construíram primeiramente Igrejas e Presídios. Logo após que se deu a criação de instituições de ensino. Ou seja: a educação nunca foi prioridade no Brasil.

Da população prisional, 75% não cursou o ensino médio, sendo que 51% não chegaram sequer ao ensino fundamental. Apenas 1% tem ensino superior, segundo os dados do Infopen (2016). Seis em cada dez presos é analfabeto ou alfabetizado com ensino fundamental incompleto.

Um estudo intitulado “Aí eu voltei para o corre – Estudo da Reincidência Infracional do Adolescente no Estado de São Paulo feito Instituto Sou da Paz, com base nos dados da Fundação Casa (SP) mostrou que 67% dos adolescentes infratores não frequentavam a escola antes da internação.


Ser pobre não é crime, mas ajuda muito a chegar lá. - Millor Fernandes


Os números refletem as perspectivas de existência dos jovens, principalmente quando negros e de classe média baixa ou baixa. Considerando os dados de reincidência pensamos: o que falta para a educação ser mais atrativa que o crime?

Quem responde essa pergunta é o Procurador de Educação do Ministério Público da Paraíba, Luiz Nicomedes, que falou sobre os variados fatores que ocasionam a evasão escolar, como condições estruturais e a não oferta de um ensino e aprendizagem com olhar específico para cada aluno, com foco em suas dificuldades individuais, o que por muitas vezes acaba desestimulando-o em razão disso. “Ao se sentir desestimulado, a escola que deveria dar o suporte para que esse aluno pudesse ser reestimulado e continue em sala de aula não dá esse suporte. Obviamente que existem alguns estabelecimentos de ensino que tem essa preocupação. Esse desestimulo faz com que os alunos abandonem as aulas”, explicou Luiz.

Em contrapartida, em algumas situações há a responsabilidade da família, que, com a sua ausência, fortalece o abandono escolar. “Por exemplo diante de um quadro desse, que a família não procura a escola para tentar reverter essa situação e buscar ajuda, e também porque as vezes o desestímulo vem da própria família. Quando se fala da evasão escolar as vezes é muito fácil a gente tentar chegar a uma situação, mas não é. Tem que fazer a análise de todo o contexto, do caso específico”, contou o Procurador.  

Um dos problemas citados por Luiz é a carência de busca-ativa dos alunos. “Não adianta a escola só registrar a evasão, ela tem que resgatar o aluno. Essa busca inicia-se na própria escola, se não tem resultado, vai aos conselhos tutelares. Até que chega ao último órgão, que é a atuação do Ministério Público, que vai atuar no crime de abandono intelectual. O pai que não coloca seu filho em uma sala de aula ele pode responder a esse crime previsto no código penal. Além disso, tem que se observar a idade do aluno. ”, e completou, “você tratar com uma criança é uma coisa, com um adolescente, e com todas as suas mudanças, tem que ter um olhar diferenciado”.

Uma das saídas para reduzir a criminalidade na juventude, segundo o procurador, é dar a perspectiva de um futuro melhor. Se o jovem não tiver essa perspectiva de um amanhã melhor, o crime é muito atrativo porque dá a ilusão de que ele vai ter dinheiro, prestígio e vai melhorar de vida. “A gente tem que buscar os referenciais que ele tem. Dependendo da sua realidade, se de classe mais baixa, um tenis de marca vai ser sinal de prestígio, para outra realidade, uma mais alta, é acesso a grandes eventos. É sempre é falta de perspectiva pro futuro. Você, nessas condições, é facilmente atraído. E aí você vê que é ao contrário (da perspectiva) porque o crime leva ao encurtamento da vida”.

A promotoria da educação tem uma atuação em vários aspectos: trabalha a estrutura das escolas, em relação a eventual oferta irregular de ensino; “não adianta só garantir o acesso à escola, mas o acesso e a permanência”, explicou. Também trabalha na necessidade de garantir e assegurar a educação inclusiva e em questões pontuais de problemas disciplinares, sempre com o intuito de buscar a oferta de uma educação de qualidade para todos.


“A carne mais barata do mercado é a carne negra”


Enquanto apenas 56,8% dos jovens pretos e 57,8% dos pardos estão matriculados no Ensino Médio, a taxa de jovens de cor branca chega a 71%. 52,5% dos jovens que integram o quartil de renda mais baixa estão no Ensino Médio, contra 86,6% dos jovens que pertencem aos 25% mais ricos da população. 

Com a terceira maior população carcerária do mundo, ficando atrás apenas dos Estados Unidos e da China, o Brasil tem atualmente mais de 700 mil presos e se destaca em um contexto muito pior: o do racismo. O Infopen de 2016 mostrou que 64% dos presos são negros, contra 35% brancos. 

Jean Cosme tem 23 anos e uma história longa nos presídios de João Pessoa. Coleciona algumas apreensões na menor idade, mas só aprendeu que o crime não tem futuro quando atingiu os 18 anos e “desceu”. Na maior idade conheceu o Roger, Silvio Porto e a Máxima de Mangabeira. De galho em galho, de tortura em tortura ele foi aprendendo o que não quer mais. A primeira vez que foi pego tinha ido fazer justiça com as próprias mãos. Após uma amiga ter sido roubada, o garoto foi atrás dos bandidos que a tinham roubado, e assim, foi pego em flagrante com uma arma. Na segunda foi roubo, onde passou 3 anos dentro das penitenciárias da capital.

Quando Jean era criança sonhava em ser engenheiro civil, e ainda permanece com o sonho. Ele contou que também almeja formar uma família e que, apesar de já haver concluído por meio de supletivo antes de ser preso, o ensino dentro das cadeias ajudou ele a sair daquela realidade de furtos e roubos. “Quando me vi no fundo do poço, quando não tinha como mais olhar pra baixo, e a única opção era olhar para cima e sair da lama onde eu me encontrava”, desabafou o ex-presidiário. 

De acordo com ele, o Silvio Porto e a Máxima ofereciam melhores condições para estudo, possuindo, inclusive, cursos profissionalizantes, como de pedreiro, marceneiro e até teologia. Ele, que entrou no crime por dinheiro, curiosidade e pela adrenalina que era proporcionado pela aventura agora tenta uma vaga em uma universidade para não dar mais dor de cabeça à família. 


“EDUCAI AS CRIANÇAS E NÃO SERÁ PRECISO PUNIR OS HOMENS” -

Anualmente a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) realiza o relatório sobre os recursos investidos na educação de 35 países mais ricos do mundo e 11 parceiros, segundo matéria publicada no Estadão. A frase de Pitágoras, filósofo grego, é, com certeza, a base dos países que lideram o ranking.

O relatório intitulado “Education of Glance” mostrou que o Brasil investe mais do Produto Interno Bruto (PIB) do que outros países que tiveram resultados melhores. No entanto, quando calculado o valor do investimento por aluno, o resultado é o oposto.

  


O investimento atual do PIB do Brasil na educação é de 5,5%, enquanto países como Colômbia e México, que investem menos que o nosso país, obtiveram resultados mais positivos nos testes do PISA. De acordo com o relatório, uma medida *paleativa* seria deslocar gastos do ensino superior para o ensino primário, pois “elevaria simultaneamente a progressividade e a eficiência” e que “a oferta de educação pré-escolar diminui significativamente a probabilidade de evasão de estudantes desfavorecidos do sistema educacional”.

No Mapa da Violência de 2018 é possível notar que alguns dos estados que mais cresceram a taxa de homicídios de jovens foram os mesmos com as maiores taxas de evasão na adolescência, como Bahia, Paraíba, Alagoas e Pará.

De acordo com o procurador do Ministério Público, A saída do país é a educação, mas não é só uma educação moralmente formal, com matemática, português. É você trabalhar valores humanos, como solidariedade, honestidade, que são uma série de fatores que precisam ser trabalhados desde o início, na infância. É para você conseguir formar o caráter do indivíduo de maneira que ele tenha o desenvolvimento pleno.

“Muitas vezes faltam programas que incentivem isso, e aí quando você pega um aluno que está em um contexto social de vulnerabilidade, fica um prato cheio pra criminalidade chegar. Você passa por vários fatores que levam a criminalidade, inclusive, aquela questão de você querer algo que você não tem condições, que seus pais não podem te dar, mas você nunca foi desestimulado a buscar isso”, explicou. O procurador ainda reforçou: “Eu espero que a gente caminhe para reduzir essa violência. É um caminho árduo, espinhoso. A gente tem que insistir e acreditar sempre no melhor”. Como dizia Immanuel Kant: “O homem não é nada além daquilo que a educação faz dele”.

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